Ely Carter
Ano Novo
Vera, deu uma volta pela casa, para ver se tudo ok para o ano novo.
A árvore ainda estava lá, toda luminosa, o menino Jesus já tinha “nascido” e estava no presépio montado na sala.
A casa estava limpa, cerveja e espumante no refrigerador, os aromatizadores de ambiente estrategicamente colocados pela casa.
Fez o check-list da ceia: ‘quiche’ de verdura ok; batatas assadas ok; pernil lindo que brilhava no forno ok, arroz a piemontese ok; salada de lentilha para garantir um dinheirinho extra ok; (Vera não era supersticiosa, mas como a gente nunca sabe, era melhor não brincar com a sorte.); bruschetta de tomatinho cereja picadinho feita na baguete para manter a tradição da família ok; farofa de couve ok.
Repassou os doces que tinha colocado numa mesa a parte, porque se tinha uma coisa que a Vera sabia fazer, eram os doces: bem-casado na travessa ok, brigadeiro de travessa ok, pavê, torta de limão e bolo de pote, tudo bem-arrumado e decorado, porque a Vera adorava uma mesa posta com elegância.
Falando em mesa, deu uma última olhada na mesa, doze lugares marcados. Pratos e taças, guardanapos e talheres, sousplat e centro de mesa confortavelmente instalados sobre a toalha adamascada francesa, herança da sua avó, usada única e exclusivamente no Natal e no Ano Novo.

Vera não era uma comprava as coisas e deixava no armário, não, ao contrário, quando comprava uma roupa, um par de brincos, já usava tudo no mesmo dia. Quando comprava sapatos novos, já saia da loja usando-os. Dizia que era para amolecer a pele do sapato, enlarguecer o ténis, amaciar as sandálias, treinar o andar com o salto alto. Vera era uma figura.
Mas a toalha adamascada da avó era mais que especial. Vera se aproximou da mesa e bastou apenas um toque suave, bastou pousar as suas mãos naquela trama para voltar ao passado, se ver percorrendo as vias da lembrança e recordando os bons momentos vividos em família.
A casa cheia de gente, a bagunça das crianças, todos os aromas misturados, os olhares de afeto trocados, os gritos estressados da sua mãe que dizia: Vera, se comporte e não suje este vestidinho novo. O olhar cúmplice da vó Joana, o seu sorriso simpático, os seus cabelos brancos, as suas mãos enrugadas com as duas alianças, a sua e aquela do vô que não estava mais ali presente.
De repente Vera se deu conta dos olhos molhados, as recordações servem a isso, lavar a alma.
Com olhos fechados, Vera se recolheu por um momento. Dentro de si, fez uma pequena oração. Agradeceu pelo ano que passou, mesmo que o caminho percorrido fora tortuoso, ela ainda estava no caminho, a caminho da felicidade.
Agradeceu pelo pão a mesa, pela presença de quem ainda estava vivo, pela memória que quem tinha ido repentinamente embora, pela saúde que ainda lhe permitia de respirar o ar da manhã, pela casa que servia de abrigo aos seus familiares, mas que acolhia sempre quem precisava de um abraço, de ser escutado, ouvido, amado. Pelo trabalho, porque atualmente e sempre o trabalho era um dom de Deus.
Na retrospetiva de 2019, um filme passou pela sua mente, abraçou em silêncio as pessoas queridas, perdoou quem a tinha magoado, desejou o melhor a todos.
Com a alma nua, desejou que naquela noite ela pudesse colocar o coração para quarar na companhia daqueles que lhe eram queridos, através das trocas de desejos pudesse se ver livre das escórias de sentimentos ruins.
Vera tirou a poeira dos pensamentos positivos, que estavam là, como livros na estante aguardando para serem abertos e descobertos, e no seu coração abriu inconscientemente uma garrafa de espumante.
De olhos abertos, na face, uma explosão de vida num sorriso. Que venha 2020!

Buon 2020!
Ely Carter - Cartas e Contos